1 de mai. de 2009

Minha primeira namorada


As Meninas Cahen d'Anvers - Rosa e Azul
Pierre-Auguste Renoir - 1881 - 119x74cm

por Rodrigo Marques Barbosa

Minha primeira namorada

Conheci minha primeira namorada de forma inesperada.

Assim.

Como acontecem os amores.

Passeava pelo Masp, entre mundos nunca antes por mim imaginados.

Entre joias tupiniquins, DiCavalcantis, Volpis, Ianellis, Portinaris, Segalls e Brecherets.

E outras tantas d’além-mar, Monets, Delacroixs, Légers, Matisses, Cézannes e até Van Goghs.

Mas foi na ala dos Renoirs que o chão me faltou.

Minha primeira namorada vestia rosa, usava um lindo sapatinho de verniz.

Segurava inseguramente a cinta de cetim que lhe prendia a cintura.

E com a outra mãozinha acolhia-se junto à minha cunhadinha de azul.

Seu cabelo era ruivo.

Podia ser castanho também.

Ou loiro.

Às vezes até preto.

Tudo era uma questão de luz.

E era de luz que aquela pequena me enchia o coração, me fazia respirar fundo (tum-tum, tum-tum, tum-tum), com vontade de vomitar.

Não, não de nojo, mas de enjoo gostoso, daquele friozinho na barriga que acomete os mais desavisados.

Hoje sou avisado.

Avisado até demais.

Tão avisado que não me deixo mais levar pelas moçoilas de rosa e azul que andam por aí.

Loiras, morenas ou ruivas, elas não têm o olhar que pede colo, nem tampouco guardam mais a promessa do ‘l'avenir’.

São mais parecidas com a minha cunhadinha, olhar altivo, mãozinha assanhada querendo, subliminarmente, levantar seu saiote.

Minha primeira namorada olhou para mim, quis sorrir.

Apertou os lábios, a bochecha enrubesceu com minha investida marota, ainda que contida, embasbacado que estava ao fitá-la.

Despedi-me com a promessa de sempre lhe visitar, ainda que por instantes pudesse fazê-la sentir-se em outra dimensão, na minha dimensão (se bem que não sei se a minha namorada quereria sair de seu salão tão bonito, seu tapete tão felpudo).

Mas foi a minha primeira namorada que me levou para uma viagem ultradimensional.

Viajei para dentro daquele quadro, espiei-a por detrás da cortina até tomar coragem de vir-lhe falar: “Bom dia, senhorita! Qual é sua graça?”

Minha primeira namorada se chamava Alice.


5 comentários:

fabio ferreira disse...

passando pra visitar...muito bacana
abraço e té

keka disse...

Lindo e poético!!!
Belo texto.
Bjks

Graciela disse...

Interessante pensar no seu texto...
Concordo... o que falta é o frio na barriga de olhar para alguém que não se expõe mas se preserva em uma redoma imaginada que transpassa os dias atuais... Seria tão bom que os dias voltassem ao tempo em que os olhares diziam muito e traçavam diálogos entre pessoas... do tempo em que não era necessário pensar na aparência e o que importava era o conteúdo... tão nítido era num olhar...
Graciela

Thais Amadeu disse...

Sútil...
Como tudo deve ser, chegar devagar e tomar conta sem notar!

Simples assim...

bjo
Tha

Clarice disse...

Adorei!! :)

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