24 de fev. de 2010

Sobre sotaques e molhos de macarrão




Quem repara em sotaques é como alguém que só come macarrão à bolonhesa.


É como alguém que nunca provou, por pura ignorância ou mero titubeio, um carbonara.


Ou uma putanesca.


Os molhos devem ser mesmo como as putas: sempre ao gosto do freguês.


Os molhos devem ser como quem os come: refletem seu nível de civilidade. Ou de cosmopolitismo. Ou não.


Não, não que o bolonhesa não exprima nenhuma nobreza. Ao contrário. Afinal, tamanha seria a desfeita com os caros amigos de Bologna.


Mas o que me deixa puto são aqueles que só querem saber de comer macarrão com molho de carne moída (se bem que o ‘vero bolognese’ é feito de carne bem picadinha, cozida durante horas sob fogo brando).


É a falta de janela, a falta de vontade de descobrir que cheiro tem o som do outro lado, a cor do tomate cozido por horas, a panceta que perfuma, o louro que dá cor ao cheiro do cozido, o alecrim fresco que transforma, o azeite que ilumina.


É a falta disso tudo que me faz pensar e refletir sobre a falta de visão, sobre o desleixo de acomodar o outro no coração, sobre o pré-julgamento de ideias, de culturas, de maneiras de ser, enfim, de sotaques.


Eu falo como eu como. E como o mundo inteiro. E navego nos sotaques como se eles não existissem, mesmo consciente da sua presença, do seu arrastado, da sua origem. Mas nem tudo que tem origem é digno de existir.


Assim são os sotaques, bem como os molhos de macarrão. Aliás, eu realmente bem como os molhos de macarrão. Benzadeus! Saúde!
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